Como você é? Qual é a sua identidade? Você se considera uma pessoa questionadora, politizada, engraçada, conciliadora ou divertida? Essas e outras características definem a sua personalidade, sua posição na sociedade e são a expressão do seu Eu. Mas como expressar o seu íntimo em uma segunda ou terceira língua? Você é tão engraçado, divertido, politizado ou controvertido quando fala em outra língua? Ou você aparenta ser menos inteligente quando não se expressa na língua de Camões?
A Dr. Elaine Horwitz é professora na Universidade do Texas e autora de diversos livros sobre o aprendizado de línguas estrangeiras. Em 1986 ela escreveu um artigo com título “Foreign Language Classroom Anxiety” (ansiedade da aula de língua estrangeira). De lá pra cá esse assunto se desenvolveu e novos métodos de ensino foram surgindo.
Mas o que é a ansiedade de língua estrangeira
Toda vez que um aluno precisa se expressar em uma segunda língua, surge uma ansiedade em relação a imagem que é comunicada através das dificuldades linguísticas. Há um receio de que a sua imagem pessoal seja distorcida por causa dos erros gramaticais e do vocabulário rarefeito. Algumas pessoas mais do que outras são sensíveis a esses questionamentos, o que pode levar a uma ansiedade semelhante à “ansiedade do dia de prova” em que a pessoa trava ou tem brancos e simplesmente se sente um zero a esquerda.
Esse distúrbio é a razão pela qual há um nível de absenteísmo acima da média nas aulas de línguas estrangeiras, comparado a cursos de outras matérias, e também explica porque tantas pessoas simplesmente não conseguem aprender outra língua.
Os estudiosos destacam que as pessoas perfeccionistas ou que tem expectativas altas demais em relação ao aprendizado de uma nova língua são as maiores vítimas desse problema.
Ansiedade de língua estrangeira e a imigração
Me deparei com esse assunto por acaso, mas logo percebi que o imigrante sofre isso no dia a dia e não somente na sala de aula. A ansiedade de uma entrevista de emprego ou uma apresentação pública se torma ainda maior quando se tem que fazer isso em outra língua, principalmente quando ainda não se é fluente. A falta de domínio da segunda língua também atrapalha a integração com pessoas locais e com outros estrangeiros, o resultado é brasileiros fazendo amizade apenas com brasileiros, chineses com chineses, hispanos com hispanos e etc.
Eu já havia percebido que a insuficiência na língua estava me atrapalhando de fazer amizades com locais e outros imigrantes. Mas agora eu percebi que um pouco dessa limitação está também na minha cabeça. Na hora de ter uma conversa legal em francês ou inglês, bate a ansiedade da segunda língua, falta vocabulário, e não é possível ser tão “atraente” na outra língua como somos na língua materna. Interessante é que não tenho tido problemas de comunicação no trabalho, incluindo me “vender” em entrevistas de emprego ou em apresentações de produtos na empresa, mas no campo social o desempenho linguístico não é o mesmo.
Dicas para vencer a ansiedade
- Deixe de lado o perfeccionismo, calce as sandálias da humildade e se acostume com suas limitações;
- Não tenha vergonha de pagar mico, se a outra pessoa for gente boa pode achar seus erros engraçados ou bonitinhos. Se não, troque de amigo.
- Saiba quais são os assuntos para os quais você tem vocabulário, não se meta nos outros assuntos sem ter se preparado. Por exemplo: você gosta de culinária? Aprenda o vocabulário; mas não resolva na última hora falar de mecânica sem saber o nome das peças do carro;
- Aprenda vários sinônimos para dizer a mesma coisa. As expressões: “de maneira alguma”, “de jeito nenhum” ou “nem a pau”, têm o mesmo significado com usos diferentes, certo? Da mesma forma “pas du tout” e “pantoute” devem ser usado em diferentes situações, dando um tempero diferente à conversa.
- Domine o básico da gramática. É mais fácil o seu ouvinte tolerar erros gramaticais em construções complexas do que erros básicos de conjugação.
- Busque aprender sempre mais.
Resolução de meio de ano
Por isso, mesmo não sendo ano-novo, vou tomar uma resolução: vou voltar estudar mais francês e inglês – não sei onde vou arrumar tempo – mas vou colocar o foco no que me causa ansiedade, vou melhorar meu vocabulário para falar de política ou contar piadas, o para criticar o novo treinador do Canadiens. Vou tentar traduzir todas as “piadas de português” que eu conheço e que agora serão “piadas de francês” :-). Vou decorar as piadas dos programas de comediantes como Laurent Paquin*, e todos os argumentos politizados da Radio 98.5FM.
A ideia é parecer divertido, culto ou espirituoso em todas as ocasiões. E se a princípio isso não vá me ajudar a expressar o meu eu verdadeiro, mesmo assim eu me livro da maldita ansiedade de me sentir um parfait idiot.
* Com vocês um pouco de Laurent Paquin:
Fiquei curiosa em ler o livro para ver se a autora explica/comenta pq eu sofro do disturbio da ansiedade de língua estrangeira em ingles, que em teoria eu comecei a estudar desde a tenra pré-adolescencia, mas nunca sofri da mesma sindrome em francês. Pq. se cometo um erro em francês nao perco a moral mas em ingles fico arrasada exatamente como descrito no post… Ao menos fiquei felzi em saber que “alguém me entende”, ja teve até quem escreveu livro sobre isso, hehehe…As dicas parecem lógicas, ams algumas dificeis de aplicar na prática, pois nao temos um chavinha para ir la e desligar o circuito X no cérébro sofrido…
Boa sorte na nova empreitada!!
Abraços
Erika
Oi Erika,
não sei se adianta muito ler o livro, pois ela foca no problema da ansiedade na sala de aula. Mas dê uma olhada nesse link:
http://coerll.utexas.edu/methods/modules/learners/03/
Excelente post… Acredito que 100% dos imigrantes sofram desta ansiedade…
Valeu pelas dicas,
Abçsss
Eu ja sentia isso quando morei na holanda e me comunicava em inglês o tempo todo. Fiz muitos amigos, de varias nacionalidades, mas sempre achava que eu nao conseguia ser “eu mesma” e mostrar quem eu era realmente. Aqui em Montreal a coisa vai no mesmo ritmo, mas tenho notado mais dificuldade em fazer amigos locais. Talvez a idade mais avançada e o fato de eu ter vindo em casal (na Holanda eu era mais nova e estava sozinha).
Mas concordo quando você diz que, em certos casos, é melhor trocar de amigos. Conhecemos um casal de québecoises que sao super interessados na gente, na nossa historia e disposiçao de mudar para um novo pais. O resultado é que eles se esforçam mais para nos entender e ela, que é professora de literatura em um CEGEP, ainda nos ajuda corrigindo e explicando coisas da lingua e da cultura local. Par contre, quando você pega pessoas menos interessadas, acho que bate aquela preguiça neles quando a gente começa engasgar em alguma frase…
ah, nem me fale ….
o desempenho no ambiente de trabalho passa facil, mas no começo as interaçoes sociais ficam mesmo com lacunas oriundas da falta de flexibilidade linguistica ….
Obrigada Sandro. Vou vasculhar o site!!
Abraçcos
Erika
Boas Sandro,
Não senti esse peso da ansiedade, até porque não sabia entender nem falar o quebecóis quando cheguei na Cidade do Québec. Acho que como a maioria do pessoal com que convivi na ULaval falava níveis diferentes de inglês sem maiores pudores, foi mais tranquilo, e ainda haviam franceses para praticar o inglês e corrigir o francês. Entretanto, o que pesou bastante, especialmente nos 3 primeiros meses foi o cansaço mental, tentando absorver tudo o que se passava ao redor, chegava 21h e eu já estava exaurido…
Abraço,
Fabrício
Sandro,
Parabéns pelo post! sim sim siiiimmm! a danada da ansiedade com a lingua (ok, linguas) vai e volta, mas nunca se distancia tanto assim…