O boicote estudantil – 100 dias

Manifestação

Manifestação

Talvez essas notícias tenham passado desapercebidas no Brasil porque a mídia está muito ocupada cobrindo o último show do Luan Santana, a última rodada do brasileirão ou a mudança do Pânico para a Band. Mas a verdade é que o bicho está pegando aqui nas ruas de Montreal e em outras cidade do Quebec. Só ontem mais de 150 pessoas foram presas em Ville de Quebec e mais de 500 em Montreal.

Como tudo começou

No começo do ano o governo da província do Quebec anunciou um aumento de cerca de 80% na tarifa do ensino universitário. No Quebec o ensino superior é subsidiado pelo governo, custando cerca de 2700 dólares por ano para os moradores da província. Este é um dos valores mais baixos do Canadá, como comparação, em Ontário o estudante paga cerca de 6000 dólares por ano.

O governo resolveu diluir o aumento durante os próximos 5 anos e rever proporcionalmente os valores do crédito escolar e da bolsa. Só esqueceram de perguntar o que a população, e acima de tudo os estutantes, achavam desse “pequeno” ajuste.

A resposta das associações estudantis foi: “nem que a vaca tussa”. E a maior parte dos estudantes cruzou os braços e passou a boicotar as classes. A expressão greve é muitas vezes usada, mas só um empregado pode fazer greve, estudante fazem boicote. Na prática dá na mesma, há três meses que a maioria dos cursos universitários e CEGEPs estão parados.

Ação e reação

Além da paralisação das aulas, os estudantes passaram a organizar passeatas quase que diariamente. A intenção é que sua voz seja ouvida e o governo recue na questão dos ajustes, propondo algo mais economicamente viável. O governo por outro lado se recusou a negociar gerando o impasse que ainda perdura.

Confusão

Confusão

Algumas das manifestações realizada no centro de Montreal degringolaram. Sempre tem um marginalzinho enrustido esperando uma oportunidade, usando a causa como desculpa e a massa como disfarce apareceram desocupados promovendo quebradeira e saques. A polícia passou  a intervir com mais violência abusando do gás de pimenta e prendendo alguns manifestantes baderneiros.

A última reação do governo foi a votação de uma lei especial para “resolver” o problema. Essa lei, entre outras coisas, força as escolas a reabrir seus cursos a partir de agosto mesmo sem a presença dos alunos; e coloca regras restritas às manifestações que se não forem seguidas resultarão em prisão. Essa lei chocou a população, pois é extremamente truculenta e se encaixa melhor num estado totalitário e ditatorial do que na tradição pacífica e democrática do Canadá e do Quebec.

Os manifestantes resolveram então se opor a essa lei desobedecendo deliberadamente as regras, principalmente a que indica que qualquer manifestação com mais de 50 pessoas deve ser comunicada com antecedência de 8 horas à polícia e deve ter o seu trajeto pré-definido. A revolta contra essa lei fez que as fileiras dos manifestantes fossem engrossadas com políticos da oposição, artistas e outros formadores de opinião.

Manifestações e panelaços estão ocorrendo praticamente todos os dias, algumas vezes de forma pacífica e de acordo com as restrições previstas em lei, outras vezes as manifestações são propositalmente organizadas para quebrar as regras e assim chamar ainda mais a atenção. Em cada uma das últimas 30 noites os manifestantes organizaram passeatas, em quase todas elas foram declaradas ilegais pela polícia resultando em confronto, violência e prisões. O impasse ainda perdura e último trimestre foi perdido por conta dessa crise.

Suicídio político

Pesquisas mostram que quase 70% da população condena a ação dos manifestantes, acreditando que a desobediência civil e a implantação do caos não são as melhores maneiras de protestar. Mas ao mesmo tempo uma mesma fatia de 70% da população condena a posição do primeiro ministro Jean Charest, que simplesmente se nega e procurar uma solução para o conflito. No auge do conflito, a ministra da educação renunciou ao cargo, esmagada entre a pressão popular e a direção política do seu chefe.

A situação do primeiro ministro não é nada boa, não é difícil imaginar que a revolta contra o aumento das taxas escolares vai logo virar uma revolta contra o Partido Liberal e o seu chefe. Será que teremos um impeachment a la Fernando Collor? O tempo dirá. Depois eu volto pra contar como terminou.

7 opiniões sobre “O boicote estudantil – 100 dias

  1. hehehe, adorei a observaçao sobre a mídia brazuca. Ela só comentou alguma coisa quando a galera aqui saiu para protestar só de roupa íntima, claro. Pior ainda foram os comentários ao rodapé da notícia, que a galera devia se cobrir porque eram pessoas muito feias. Como assim, a juventude desse QC ir lutar por suas ideologias? O certo mesmo é investir no visual, estudo é bobagem, certo mesmo é ser lindo ou linda e ser aparecer no paparazzo! #not

    Abraços
    Erika

  2. Oi Sandro, tenho acompanhado a situação pelas mensagens que os amigos quebecas postam no Facebook. O certo é que com aumento, vai diminuir muito a procura por curso universitário no QC, uma vez que era o custo/benefício que atraía muitos estudantes, inclusive de fora do Canadá.

  3. Vendo o que está acontecendo no Quebec e o que acontece no Brasil, é gritante o disparate da consciência e engajamento social e político existentes entre brasileiros e quebecois. Minutos atrás, estava ouvindo a CBN/Curitiba, quando o presidente do Tribunal de Contas do Estado estava tentando “justificar” o pagamento que será feito de uma “diferença” referente a auxílio-refeição, para equiparação com o Poder Legislativo (que os “coitados” dos conselheiros do TCE, ganhando +/- R$ 24.000,00/mês, necessitam “muito”). É algo que retroage a 2004, perfazendo um montante em torno de R$ 60.000,00. O radialista esbravejou, se indignou, mas e dái? A população não está nem se importando. No geral, o povo, roubado, ao invés de exigir justiça, vai procurando curtir a vida, levar vantagem onde dá, se “aparecer” com o carro e/ou a casa novos (básicos, caros e financiados a juros indecentes), etc.
    Esse é um pequeno exemplo, que com certeza não sintetiza todo o problema brasileiro. Tem muitos, muitos outros exemplos muito mais graves. Resolvi registra-lo, apenas porque acabou de acontecer.
    Claro… problemas existem aqui no Brasil, problemas existem no Canadá. Alguns problemas problemas daqui não são relevantes aí, e vice-versa. Mas, já que estamos falando de cidadania e política, resolvi desabafar sobre essa “diferença de postura” que tanto me incomoda.
    Abraços meus e da Ale a voces!

  4. Olá, tudo bem?
    Meu nome é Juliana, sou de São Paulo e estou sempre lendo o blog de vocês (que é MUITO) interessante!
    Gostaria de tirar uma dúvida:
    Tinha a idéia de que as universidades eram “absurdamente caras” no CANADÁ e fiquei muito feliz com o que você disse sobre os valores para a província do Quebec. Um dos motivos de “repensar” tanto na imigração de minha família é que minha filha já está indo para o colegial ano que vem, isso significa que em breve estaria entrando na faculdade e que no Quebec seria difícil proporcionar isso à ela sendo imigrante recem chegada. Então, posso contar que se eu imigrar em 2013, terei uns 3 anos para “construir” uma nova vida no Quebec e então seria possível pagar uma universidade para minha filha, certo?
    Que alívio!!

  5. Juliana,

    O acesso à universidade é amplo no Quebec, porque além da anuidade a um preço aceitável (menos um pouco após o aumento), é possível recorrer a empréstimos e bolsas de acordo com o nível social da família.

    Com o programa de empréstimo a universidade será paga apenas 6 meses após o diploma, em suaves prestações a um juro de 6% ao ano. Enquanto o aluno estiver estudando não há juros.

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