Uma história triste

Farshad sempre teve uma vida difícil. Curdo, nascido no norte do Irã, começou muito jovem a combater o regime iraniano junto com outros rebeldes curdos. Traumatizado pela guerra e ameaçado de morte pelas autoridades ele não tinha muitas expectativas, morrer jovem era quase uma certeza.

Para sua sorte o governo do Canadá lhe oferecia a oportunidade de viver longe do Irã, em uma sociedade mais justa onde ele teria liberdade para viver. Ele obteve então o status de residente permanente como refugiado e mudou-se para Montreal.

Atormentado pelos traumas de guerra e sem conhecimentos de francês e inglês, Farshad teve dificuldades em se integrar nessa nova sociedade. Não foi por falta de ajuda, várias ONGs o ajudaram conseguindo até um pequeno apartamento para que ele morasse, pago em quase toda a totalidade pelas ONGs. Infelizmente ele não ficou lá muito tempo, o proprietário se lembra que ele era uma pessoa difícil de lidar, que às vezes gritava no meio da noite e que tinha dificuldades em pagar a sua parte do aluguel.

Quando suas dívidas se acumularam, por causa da parte do aluguel que a ONG não cobria, ele foi despejado do seu apartamento e passou a viver nas ruas, juntamente com outros sem teto, no centro de Montreal. Numa noite, bêbado, ele invadiu um imóvel particular para se abrigar. Esse delito lhe custou um processo judicial e após o julgamento sua pena foi decretada: apenas um dia de prisão.

Mas muito mais estava em jogo, o departamento de imigração iniciou um processo contra ele para revogar o seu direito de residente permanente. É direito do governo do Canadá repatriar imigrantes que tenham problemas com a justiça. A  ideia de ser mandado de volta ao Irã atormentava Farshad, seu advogado apelou ao tribunal e provavelmente ele conseguiria o direito de permanecer no país. Mas a história terminaria de outro jeito.

Sexta-feira, dia 6 de janeiro de 2012, Farshad foi abordado por dois policiais na estação Bonaventure, ele ignorou as ordens policiais e continuou andando, cabeça abaixada, mãos nos bolsos. Quando os policiais se aproximaram, ele entrou em pânico, as lembranças da guerra, o medo de ser mandado de volta, tudo se misturava naquele momento.

Ele correu. Os policiais correram atrás, ao virar em dos corredores da estação do metrô ele atacou um dos policiais com um objeto cortante, o outro policial atirou, Farshad morreu na hora. Sobreviveu à guerra, mas foi morto pela polícia do país que prometeu ajudá-lo, salvá-lo.

Farshad tinha 34 anos, morreu jovem.

6 opiniões sobre “Uma história triste

  1. Triste mesmo. Assisti a reportagem sobre essa história ontem na TV da Radio Canadá. É o tipo de coisa que nos obriga a refletir sobre as injustiças do mundo. Mesmo em um país muito mais justo que os outros por aí, mais justo que o nosso, o ser humano ainda está sujeito às regras do acaso. Para citar um escritor famoso: “A injustiça dividiu o mundo e não há divisão de coisa alguma, salvo da tristeza.”
    Abraços,
    Lidia.

  2. Pois é… quando alguém se perde na floresta aqui mobilisam até helicoptero, se alguém em kaiak é levado pela correntesa no estuario do Sao Lourenço, mobilisam a guarda costeira. No entando os que naufragam na cidade (analogia “aux naufragés des villes”)ficam abandonados a si mesmos.
    O tempo passa, a economia cresce (= ou -) mas cresce, riquesa sao produzidas e a pobresa, a itinerancia (mendicancia), o BS tudo isso aumenta.

    Finalmente devemos lembrar que o que aconteceu com esse ser humano pode acontecer com qualquer um de nos em maior ou menor grau, sejamos imigrantes ou nao.

  3. Ano passado teve um outro caso onde um outro sem teto atacou um grupo de 4 policiais e foi morto. O problema é que um dos tiros acertou um pedestre que nada tinha a ver e que morreu tmb.
    Será que a polícia de montreal não conhece armas não letais ?

  4. Boas Sandro,

    Na minha óptica isso reflete a condição geral da sociedade quebeca, não apenas da polícia, no sentido de não estar preparada para a integração e real aceitação das diferenças culturais que naturalmente ocorrem num país formado por imigrantes. Espero sinceramente que essa condição da sociedade evolua.

    Abraço,
    Fabrício

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