Vem chegando o Natal e com ele um pouquinho de polêmica. É difícil acreditar que comemorar o Natal seria motivo para discussões tão profundas mas é que tem acontecido por aqui. Acho que é bom contextualizar melhor, então eu vou tentar.
Accommodement raisonnable
Deixei a expressão assim mesmo em francês, pois é uma expressão cunhada aqui no Quebec, embora já seja usada em outros países. Seu significado traduz a tentativa de acomodar a diferenças culturais e religiosas ao mercado de trabalho e à gestão pública, dentro dos limites do razoável.
A legislação canadense e quebequense definem o estado como laico. E ao contrário dos que alguns pensam, um estado laico não é aquele que defende a ausência de crenças e a padronização cultural, pelo contrário, o laicismo deve garantir a cada um o direito de professar a sua filosofia de vida e as suas crenças incluído também o direito de não ter crença alguma.
Obviamente isso não é fácil,e fica ainda complicado tendo-se em conta a multi-culturalidade presente no país. Vejamos alguns casos no mínimo interessantes.
Decoração de Natal no Service Canadá
A primeira vez que eu percebi o conflito gerado pelo Natal no Canadá foi quando ouvi no rádio que uma diretiva interna proibia os postos de atendimento do Service Canadá a colocar decorações de Natal, decisão esta que foi revista mais tarde. A justificativa seria que as decorações natalinas seriam símbolos religiosos “ofensivos” àqueles que não são cristãos.
A “Árvore de Natal” em frente ao parlamento do Quebec foi renomeada para “Árvore de Inverno” e logo após voltou a ser “Sapin de Noël”.
Pelos mesmos motivos a prefeitura de Ville Mont-Royal cancelou o montagem do presépio em frente uma prefeitura, uma tradição de muitos anos que incluía também a colocação de um hanukiah como celebração do Hanukah judaico.
Natal proibidão
Depois do episódio acima encontrei alguns relatos na internet de escolas que teriam proibido as músicas natalinas que tivesse letra religiosa e a inverossímil estória da proibição do uso da palavra Noël (Natal) por ser uma referência direta ao nascimento de Jesus. Parece que isso foi algum exagero de alguma escola em particular, mas repercutiu por toda a comunidade e chegou a virar lenda-urbana, mas é confirmado em depoimentos na TV aqui e aqui.
Ontem estive na escola da minha filha e garanto que havia decoração de natal e frases dizendo “Feliz Natal”. Pelo menos nessa escola o Natal foi liberado…
Natal religião e cultura
A maior parte dos quebequenses celebra o Natal, independentemente de suas convicções religiosas. Na provícia do Quebec, 83,4% se consideram católicos, sendo que cerca de 10% desdes é praticante, 4,7% são protestantes, 1,5% são muçulmanos, 1,4% são cristãos ortodoxos, 1,3% judeus, 1,9% outros e 5,8% se declaram como ateus.
Os fatos acima causaram resolva entre cristãos e não cristãos, acontece que muitas pessoas que não professam nenhuma religião festejam o Natal por motivos culturais. É uma cultura presente em todo o mundo ocidental com elementos religiosos e não religiosos – ver a origem do Natal abaixo. Uma reportagem de TV mostrou uma mulher muçulmana lamentando a ausência dos enfeites, “afinal eles deixam o local mais bonito”.
A questão se esquenta quando as acomodações razoáveis, cujo objetivo inicial seria permitir a liberdade de crença, é usada para restringir uma expressão cultural ou religiosa. A coisa fica mais complicada quando se põe em questão que a cultura restringida é apoiada pela maioria esmagadora da população local, enquanto a opinião contrária se origina de uma minoria composta principalmente por imigrantes. Já imaginou o resultado? Mais discriminação e preconceito.
Origem
O que talvez tenha sido esquecido em toda essa polêmica é que a origem da festa de Natal tem elementos cristãos e não cristão e portanto não faz sentido se ofender com símbolos “religiosos” que na verdade não o são, como é o caso da árvore de natal…
Vamos aos fatos. Ninguém sabe a data de nascimento de Jesus, nem religiosos nem historiadores, mas dificilmente teria sido no inverno, portanto a data de 25 de dezembro é bem improvável. Este dia foi escolhida no quarto século por conveniência. Antes disso não havia nenhuma comemoração, entre os cristãos, do nascimento do Cristo.
Essa data foi escolhida por coincidir com as festas mitológicas do solstício de inverno – o dia mais curto do ano no hemisfério norte. Entre as tradições pagãs estavam a festa romana do “Sol Invictus” onde festejavam o renascimento do deus Mithra e a festa do Yule na Escandinávia. Os líderes cristãos da época resolveram substituir as festas pagãs por uma festa cristã, surgiu o Natal.
Ao longo dos séculos as tradições cristãs e não-cristão se misturaram formatando o Natal como nós o conhecemos no mundo ocidental. Os símbolos natalinos do século 21 tem origens nas tradições cristãs e não cristãs. Vejamos (clique para saber mais):
- presépio: tradição cristã;
- árvore de natal: tradição celta por ocasião das festas do solstício de inverno;
- estrela: tradição cristã;
- guirlandas: tradição romana por ocasião da Saturnália;
- Papai Noel: mistura de tradição escandinava com o São Nicolau;
- duendes do Papai Noel: vou deixar você adivinhar essa;
- dar presentes: tradição romana e também do folclore escandinavo;
- ceia de natal: todas as tradições misturadas, poxa festa sem comida não dá, né?
Na América do Norte e na Europa, o lado cultural do Natal tem suplantado o lado religioso, como pode ser visto em filmes de Natal contendo tradições como os fantasmas do Natal criados por Charles Dickens, os quais não tem nenhuma referência cristã, e também em músicas natalinas como “Eu vi mamãe beijar o Papai Noel“. Dessa forma, impedir os símbolos natalinos não restringe apenas uma manifestação religiosa mas também uma manifestação cultural tradicional e apoiada pela maioria da população local.
Lá em casa, nós celebramos o Natal, e aproveitamos refletir que é melhor dar do que receber, que é preciso amor e tolerância, que é possível viver em paz quando amamos o próximo como a nós mesmos, são as palavras do aniversariante…
Natal Azul
E porque o título do post é Natal Azul? Repare nas fotos que ilustram o post, além do tradicional vermelho e verde por aqui se usa muito decoração natalina com tons de azul. E por que não? Segundo a Adriana é porque combina melhor com a neve dando um efeito todo especial, quem sou eu pra discordar.
A todos um Feliz Natal!!! Ou seria melhor dizer Boas festas?!?!?
FELIZ NATAL pra vcs tbm! Sempre achei uma besteira tremenda essa discussão. No final, quase td tem a mesma origem e se não tem, oras… então é ali que devemos praticar a tolerência, o amor e a igualdade entre os povos. Vamos entrar mais um ano desejando que todos vivam em paz, respeitando suas diferenças culturais e religiosas.
Forte abraço!
Respondendo aqui também: Olá vizinhos!!!!
Acho realmente correto que os órgãos da Administração Direta e Indireta não contenham qualquer tipo de símbolo religioso, seja ele qual for. Os brasileiros não sabem o que significa um Estado laico e acham normal manter crucifixos em instituições públicas. Isso é um desrespeito aos não cristãos. Ser um Estado laico não é impor o cristianismo à população, mas deixá-la à vontade para ter ou não alguma religião. Se as pessoas querem fazer decorações de natal, é um direito delas, mas devem fazê-lo no âmbito de suas famílias, é algo particular, que não pode ser imposto a todos. Além disso, sinceramente, que jesus? Que cristo? Fala sério! Boas festas e fica a dica para o respeito à diversidade.
Olá Adriana,
Respeito a sua opinião e tenho que concordar que crucifixos em instituições públicas não combinam com estado laico. Mas tentei mostrar com o post que árvores de natal, e guirlandas não são símbolos cristãos, e sim remetem a ritos pagãos antigos relacionados com o solstício de inverno, e incorporados a cultura ocidental e portanto a discussão sai da questão religiosa para a cultural. Às vezes um pouco de conhecimento ajuda a eliminar o preconceito…