A cena só poderia acontecer mesmo em Montreal. O local é uma igreja, frequentada por brasileiros, onde algumas crianças estão ouvindo uma história contada em francês. As crianças ouvem atentamente. E entendem tudo. A moça mostra um pato de pelúcia e diz:
“En portugais cet animal s’appelle Pato. Et comment dit-on en fraçais?“.
Minha filha – cinco anos e praticamente bilíngue – responde: “Canard”.
Uma segunda pergunta: “De quelle couleur est le canard?”.
Dessa vez um outro amiguinho – apenas três anos e praticamente trilíngue – responde: “Yellow”.
Deu um nó na sua cabeça? A história acima poderia ser resumida em “Le pato est yellow”. C’est crazy, né? Então você entendeu como as coisas são em Montreal. Somos obrigados a nos acostumar falar 2 ou mais línguas em uma mesma frase e a trocar de língua de uma hora para outra.
Isso está acontecendo conosco frequentemente, em casa, no trabalho ou na igreja. Também veja bem: usamos português em casa e também com os inúmeros amigos brasileiros. A Adriana estuda francês na UdM e sempre que pode está praticando. As crianças também usam o francês na escola. No meu trabalho a coisa fica complicada.
A língua “oficial” na empresa onde eu trabalho é o inglês. Mas eu ainda uso a ainda a língua de Camões com dois colegas brasileiros e outros que falam português (na versão de Portugal). Volta e meia tenho que virar a chave para o francês, pois os quebecoises tem sua preferência pelo francês. Fora isso, com os colegas que falam espanhol rola um “portunhol” e de vez em quando dá até para arriscar um “ni hao” – que é tudo o que eu sei de mandarim e quer dizer oi.
O cérebro já está treinado mas no começo era muito difícil fazer a troca. Mas agora fica tudo meio maluco. De vez em quanto me pego falando inglês com os brasileiros, francês com os ingleses, português com os hispânicos e aí vai.
A ideia inicial de uma imersão completa em francês se mostrou utópica a partir do momento que nos estabilizamos em Montreal. No começo eu achei isso bem ruim, hoje já acho engraçado principalmente agora que consigo mais facilmente trocar de uma língua para outra.
Vacina trilíngue
Semana passada tomei a vacina para a gripe A (H1N1 também conhecida como gripe suína). O processo da vacinação em massa tem várias etapas, onde você apresenta o cartão do seguro saúde, preenche alguns formulários, leva a picada no braço e depois fica em observação por 15 minutos. Em todo esse processo usei o francês, o inglês – que é muito comum na região onde fui tomar a vacina – e também o português, isso mesmo, português.
Logo no primeiro atendimento, uma moça pediu minha carteira do seguro de saúde do Quebec – la carte soleil. Ela se espantou com o meu nome do meio: é meu sobrenome também – disse ela. Depois ela perguntou se eu vinha de Portugal, eu disse que não, falei que vinha do Brasil e perguntei se ela falava português. Ela começou a me atender em português.
O engraçado é que na hora de dizer meu número de telefone voltei para o francês, fiquei pensando se o português dela é 100% mesmo ou não, vai que ela anota o telefone errado, pulei pro francês por precaução, enquanto na minha cabeça me perguntava : “Que língua que eu falo agora?”.
Dicas para os que vierem depois
- Se a sua área de atuação alguma outra língua exige além do francês – como inglês ou espanhol – estude as duas ao mesmo tempo, assim você se acostumará a “chavear” de uma para outra;
- Em Montreal é muito comum as pessoas começarem uma frase em francês e terminar em inglês, ou ao ser atendido numa loja por exemplo você fazer francês com a pessoa e ela responder em inglês, ou o contrário, deixando o diálogo comicamente bilíngue;
- As regiões fora da ilha de Montreal são mais dominantemente francófonas, se vc quer fugir dessa mistura de línguas escolha outra região para se estabelecer;
- Órgãos oficiais do Quebec geralmente usam apenas o francês, o mesmo vale para as escolas públicas;
- No comércio você encontra pessoas que te atendem em todas as línguas, inclusive português;
Eu estou tão louca com essa coisa da língua que no trabalho já cansei de estar falando algo em inglês, tipo, explicando alguma coisa de gramática pros alunos e no meio falar em francês sem nem perceber. Daí os alunos viram e perguntam o que significa a palavra e eu pergunto ‘como assim?’, ‘onde vcs ouviram isso?’… e eles dizem que acabei de falar… hahahahhaha… bem louco! Se aqui já estou assim… imagino aí! Vou pirar de vez!
nussa! vai dar curto-circuito…a primeira coisa que veio na minha cabeça são aqueles diálogos malucos do Tête à Claques – C’est pas beautiful ça hah? abraços. p.s. otimo 2010 pra vcs.